Amazônia em pratos limpos

5 de setembro de 2019 - 06:00 # # # # #

Artigo: João César de Freitas Pinheiro, Ph.D

A Amazônia Internacional se estende por nove países: Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname. Há um exagero nativista e patriota na afirmação de que é tão somente brasileira. Trata-se da região norte da América do Sul, onde está localizada a Floresta Amazônica, que abrange uma área total de 7 milhões de km2. Essa região é também conhecida por Selva Amazônica, Floresta Equatorial da Amazônia ou Floresta Pluvial.

A maior parte da Amazônia Internacional está localizada em território brasileiro, compreendendo 60% do total, denominada pelo governo brasileiro de Amazônia Legal. O ambiente que vemos hoje e a biodiversidade da Amazônia foram criados muito recentemente, há somente cerca de 6 milhões de anos (o Planeta Terra tem 4,5 bilhões), e suas características não são fruto somente das mudanças climáticas e das interações entre as espécies, mas de fatores geológicos, como a elevação da Cordilheira dos Andes, localizada entre o Chile e a Argentina. Ou seja, ela é produto do encontro de placas tectônicas que diminuem o Pacífico, alargando o Atlântico e separando o Brasil da África na velocidade de 5 centímetros por ano.

Entre 24 e 12 milhões de anos atrás, grandes parcelas de água do mar penetraram a região. A bacia hidrográfica amazônica se formou há 27 mil anos, já o Rio Amazonas surgiu há 40 mil anos. Nasce na cordilheira dos Andes, no Peru. Possui 6.868 km, sendo que 3.165 km estão em território brasileiro. Sua vazão média é da ordem de 109 mil metros cúbicos por segundo na estação seca e de 290 mil metros cúbicos por segundo na estação das chuvas.

O Amazonas é um rio típico de planície. Ele e muitos de seus afluentes são navegáveis, o que é muito importante para a população da Amazônia, que se serve do rio como meio de locomoção. Extremamente novo, mais novo que a espécie humana, de 350 mil anos de idade. Na bacia hidrográfica, a biodiversidade é esplendorosa. A última expansão de espécies no conjunto de seres vivos que habitam no ambiente amazônico data de 4 mil anos atrás, tempo em que a civilização humana já estava avançada.

Inicialmente, a região da Floresta pertencia aos espanhóis por causa do Tratado de Tordesilhas, um tratado feito em 1494, pelos reinos de Portugal e da Espanha para que fossem divididas as terras descobertas, ou não, fora da Europa. No século XVII, cerca de 2 mil portugueses se interessaram pela região. Na época, a exploração de frutos como o cacau e a castanha representaram um impacto para as vendas internacionais.

A disputa entre Portugal e Espanha durou até 1750 e teve fim com o Tratado de Madri que estabelecia limites geográficos com relação as colônias na América do Sul. Excelentes informações sobre a biota e a história da região foram dadas pelo paleozoólogo Peter Mann de Toledo, da Coordenação de Observação da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em 2007, durante a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Numa primeira fase da colonização houve a exploração de frutos e madeiras consideradas nobres pela Corte Portuguesa, por exemplo, o Pau-Brasil; um passado de muita dominação, escravidão e perdas.

O Ciclo da Borracha foi um momento da história econômica e social do Brasil, relacionado com a extração de látex da seringueira e comercialização da borracha. Teve o seu centro na região amazônica, e proporcionou expansão da colonização, atração de riqueza, transformações culturais, sociais, arquitetônicas, e grande impulso ao crescimento de Manaus, Porto Velho e Belém, até hoje capitais e maiores centros de seus respectivos estados, Amazonas, Rondônia e Pará.

No mesmo período, foi criado o Território Federal do Acre, atual Estado do Acre, cuja área foi adquirida da Bolívia, por meio da compra no valor de 2 milhões de libras esterlinas, em 1903. O ciclo da borracha viveu seu auge entre 1879 e 1912, tendo depois experimentado uma sobrevida entre 1942 e 1945, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Em 1970, quando muitos minérios já tinham sido localizados na Amazônia, constituiu-se a Amazônia Mineração S.A., que associava empresas estrangeiras, inclusive a United States Steel, com a Vale. No final dos anos 70 a Vale pagou uma vultosa indenização à sua parceira, para poder assumir sozinha o controle do empreendimento. Então foi lançado o Programa Grande Carajás (PGC).

O Programa Grande Carajás (PGC), oficialmente lançado em 1982, tinha como objetivo realizar a exploração integrada dos recursos dessa província mineral, considerada a mais rica do mundo, contendo minério de ferro de alto teor, ouro, estanho, bauxita (alumínio), manganês, níquel, cobre e minérios raros. A vida útil das reservas de ferro, estimada na década de 1980, era de cerca de 500 anos.

Carajás não se limitou apenas a explorar a mineração; existiam outros projetos agropecuários de extração florestal, que tinham por objetivo o desenvolvimento da região. O PGC foi regulamentado pelos Decreto-lei nº 1.813, de 24 de novembro de 1980 e Decreto do Poder Executivo n° 85.387 de 24 de novembro de 1980, que criou o conselho interministerial do PGC para supervisionar o programa.

Para a consolidação desse ambicioso projeto, foi implantada uma importante infraestrutura, que incluiu a Usina hidrelétrica de Tucuruí, a Estrada de Ferro Carajás e o Porto de Ponta da Madeira, localizado no Porto do Itaqui, em São Luís. De Carajás até o Porto do Itaqui, em São Luís foi construída uma ferrovia para facilitar o escoamento dessas riquezas minerais, que são em sua grande maioria exportadas. Essa área exporta atualmente mais de 200 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, principalmente para a Ásia – China e Japão, além de quantidades bem menores de manganês e cobre.

Junto às ferrovias, as condições hídricas dos rios amazônicos, com grande volume de águas, são fundamentais para o escoamento dos minerais extraídos, e também para assegurar a operação da usina de Tucuruí, necessária para o funcionamento das indústrias de transformação de minerais. No entanto, os estados da Amazônia lideram a pobreza no Brasil. (Ver gráfico). “Em 43 anos, a Amazônia passou de 7 milhões para 20 milhões de pessoas… essa explosão foi resultado da atuação de grandes corporações como a Volkswagen, que ocupou milhares de hectares de terra naquela região, levando as pessoas a viverem por lá” (Neli Mello-Thiery, 2013).

A pesquisadora afirmou ainda que tais práticas não só impulsionaram o aumento da população, mas também incentivaram o desmatamento da floresta. Elas são resultado da expansão industrial incentivada pelo Programa de Integração Nacional (PIN), realizado pelo governo federal com o objetivo de “colonizar” a Amazônia. “O desenvolvimento de uma região é sempre muito bem-vindo, desde que a ocupação dessas terras seja feita de forma planejada e direcionada por um governo que não é guiado por fatores econômicos”, diz Mello-Thiery.

Pesquisas cientificas realizadas pela especialista, através do IEA, apontaram que mais de 13% da Amazônia são terras desconhecidas, em consequência da falta de renovação do código florestal e à falta de cadastramento. Após 1964, o cadastramento nacional de terras foi paralisado e só voltou a ser feito em 1997, 33 depois. Porém, entre 1996 e 2012, quando foi feita a primeira alteração no código florestal para a proteção das terras amazônicas, estabelecendo que dos 100% de terras ocupadas, 80% serão protegidas pelo governo e 20% poderão ser utilizadas pela iniciativa privada.

O Jornalista Paulo Ortiz afirma que “os processos de regularização e proteção do código florestal têm um impacto muito grande na Amazônia”. Segundo ele, para os ruralistas, apenas 20% das terras ocupadas deveriam servir para as práticas agropecuárias, e os demais 80%, para as práticas agroextrativistas”. As práticas agroextrativistas, heroicamente defendidas por Chico Mendes, são uma forma de agricultura utilizada pela cultura indígena, pelos “amazônidas”, que respeitam o meio ambiente.

O Brasil é o único país do mundo que possui três órgãos, nacionais e com reconhecimento internacional, responsáveis pela demarcação de terras: Ibama, Funai e Incra. Os demais países do mundo possuem um único órgão. No caso do Brasil, essa quantidade de órgãos gera burocracia e conflitos entre o governo e os proprietários de terras. O Incra detém a maior parte de terras públicas, segundo Mello-Thiery. Porém, os critérios usados hoje para a ocupação de terras são anticonstitucionais e ultrapassados para a especialista, dados a evolução habitacional e o desenvolvimento econômico que a região amazônica apresenta.

Hoje a floresta Amazônica é conhecida pela sua grande extensão territorial no planeta. Mas o seu grau de preservação, quando comparado com o de outras grandes florestas do mundo, é menor. Outras florestas como as Boreais na Europa, as florestas da Malásia na Ásia e a floresta Maiombe, a maior da África Austral, apresentam grau de conservação muito maior. Em grande parte, a menor preservação da floresta Amazônica se deve à ocupação desordenada, mal planejada, antidemocrática, que ela tem sofrido ao longo dos anos. O atual governo federal tem demonstrado uma grosseira insensibilidade em relação ao assunto e às queimadas que recentemente assolam a Amazônia. Suas políticas, no geral, estão trazendo um grande prejuízo não só à região como à toda nação brasileira.