No Ceará, a prova científica que abalou o mundo

29 de maio de 2019 - 13:02 # # # #

Texto: João César de Freitas Pinheiro - Diretor de Inovação Tecnológica

Artigo: Teoria da Relatividade Geral – Centenário do Eclipse de Sobral

João César de Freitas Pinheiro
Diretor de Inovação Tecnológica do NUTEC

Já houve um tempo em que os fenômenos eram explicados de forma simplória pela filosofia e pela ciência. Na física, só existiam as leis de Newton. A gravidade era a rainha da explicação sobre os movimentos dos objetos e suas equações elucidavam as curiosidades mais afoitas. A bola de futebol, um prato, uma pedra, um objeto mais pesado que o ar lançado para cima cai, devido à gravidade. Isto é inquestionável. Mas, não é tudo. A realidade é maior. Quando se pensa em escala planetária, em corpos grandes, de massa muito maior do que esses pequenos objetos, é que se vê que não é tudo. Após Newton, veio o século XIX e com ele a eletricidade, a energia cinética, a termodinâmica e finalmente o entendimento de que a luz era uma onda eletromagnética. A física da época defendia a tese de que tempo e espaço eram absolutos. Instigado pelas novas ideias e curiosidade, um simples funcionário de registros de patentes, ousou pensar sobre o comportamento da luz e sua velocidade. Em 1905, este ousado alemão, Albert Einstein, afirmou que as medidas de espaço e tempo poderiam mudar de acordo com o ponto de referência. A comunidade científica ficou assustada e interessada com a publicação dessa “Teoria da Relatividade Especial”, que apenas se amoldava a casos específicos da física. Enquanto seu país se embrenhava na Guerra de 1914, ele confrontava a “Lei de Gravitação Universal” do inglês Isaac Newton, publicando em 1915 sua “Teoria da Relatividade Geral”.

A Teoria da Relatividade Geral afirma que espaço e tempo estão interligados, formando uma espécie de tecido que conforma tudo ao nosso redor e que pode se curvar de acordo com a massa dos corpos. Os corpos grandes, como o Sol, afundam uma rede construída de espaço-tempo gerando em torno de si uma depressão, nas bordas da qual giram corpos menores como planetas, que por sua vez também geram distorções na rede.Imaginem uma cama elástica. Alguém se deita bem no centro dela. Nas suas bordas soltem pequenas bolas de tênis. Estas tenderão a mergulhar em busca da pessoa no centro. No entanto, a pessoa se levanta e salta, fazendo as bolas de tênis iniciarem uma órbita em torno do ponto central. Foi isto que o funcionário público do setor de patentes, Albert Einstein, intuiu para explicar a gravidade. Ela não está intrinsecamente nos corpos e estes não são atrativos tão somente porque possuem uma força em si próprios para atrair outros corpos, mas sim porque distorcem o espaço-tempo e estão em constante movimento.

Mas, como provar isto?

Quatro anos depois de publicar seu trabalho, Einstein via-se numa sinuca de bico. Até que um grupo de cientistas ingleses pensou numa maneira de provar. Exatamente usando o Sol. Ora, se a depressão criada no espaço-tempo em torno dele pudesse desviar algo que passasse nas suas imediações e se este desvio pudesse ser medido, então se comprovaria a existência da rede de espaço-tempo e do afundamento que o Sol nela causa. Estudioso da luz, Einstein disse que até mesmo a luz de outras estrelas em seu caminho até a Terra tem sua trajetória alterada quando passa perto do Sol. Para testar isto é necessário fotografar de dia estrelas próximas ao Sol e depois fotografá-las no mesmo lugar à noite. Isto, medindo a posição delas no céu a cada momento, encontrando a diferença entre as medidas. A ocasião ideal para isto seria um eclipse total do Sol.

Cálculos indicavam que em 1919 um eclipse seria visível na América do Sul e na África. Nesse momento, o Sol estaria perto de um aglomerado de estrelas especialmente brilhantes, as Híades. A decisão da equipe inglesa de vir ao Brasil estudar o eclipse para provar a teoria de Einstein foi tomada depois que o cientista Dyson recebeu uma carta do engenheiro Henri Charles Morize, diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro e um dos fundadores da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Na carta, Morize dizia que Sobral – a segunda maior cidade do Ceará, bem conectada por trens e por um porto relativamente próximo – seria o melhor lugar para acompanhar o fenômeno.

No entanto, os ingleses Dyson e Eddington decidiram que ter apenas um ponto de observação não seria suficiente. Era comum que os resultados de expedições como essa fossem prejudicados por más condições de tempo. Em geral, nuvens acabavam impedindo que as estrelas fossem fotografadas. Por isso, eles decidiram mandar duas equipes de astrônomos a lugares diferentes: a Sobral, no Brasil, e à Ilha de Príncipe, parte do arquipélago de São Tomé e Príncipe, na costa africana. Na equipe que veio ao Brasil estavam Davidson e Crommelin. Foram recebidos com festa no porto de Belém, e ainda tiveram tempo de fazer uma viagem de barco pelo rio Amazonas até Manaus. Em seguida, os britânicos foram de navio para Camocim, já no Ceará, e de trem para Sobral. No Ceará, a imprensa também se animava com a chegada dos estrangeiros, que eram chamados de “sábios ingleses”. Eles se hospedaram na casa do deputado e coronel Vicente Saboya, dono de um poço artesiano próprio. Água ali, tanto para as atividades diárias quanto para revelar as imagens do eclipse, não seria um problema. A pista de corrida do Jockey Club da cidade, que costumava atrair curiosos, também foi reservada para o acampamento de observação dos britânicos e americanos. A excitação em Sobral era tamanha que, segundo os jornais da época, o dia do eclipse foi um feriado informal na cidade. Todo o comércio foi fechado e a população encheu as praças públicas desde o início da manhã. As igrejas também ficaram repletas de fiéis com medo de que o escurecimento do céu fosse o anúncio de um mau agouro.

No entanto, o dia 29 de maio de 1919 amanheceu nublado. Por sorte, cerca de um minuto antes que o Sol fosse completamente coberto pela sombra da Lua, um vento afastou as nuvens. Os astrônomos tiveram cerca de quatro minutos para fazer 27 fotos do céu, mostrando as 12 estrelas que queriam observar. Os britânicos tiveram um problema. O calor intenso em Sobral, segundo o físico Luis Crispino, pode ter causado uma dilatação incomum no espelho do seu principal telescópio. Por isso, algumas imagens ficaram distorcidas e, portanto, menos confiáveis. O pequeno telescópio irlandês, no entanto, produziu oito imagens nítidas e impressionantes do Sol escurecido e da luz das estrelas. Um mês mais tarde, Davidson e Crommelin fotografaram as mesmas estrelas, exatamente no mesmo lugar do céu, só que à noite. Agora já tinham o que precisavam para testar a teoria de Einstein.

Em agosto de 1919, os britânicos começaram o caminho de volta à Inglaterra. Em Príncipe, Eddington teve menos sorte. O tempo fechado permitiu poucas imagens aproveitáveis, nas quais aparecia um número menor de estrelas. Seus resultados já pareciam favoráveis à teoria de Einstein, mas, sem base de comparação, crescia a ansiedade pela chegada da expedição de Sobral.

Em novembro de 1919, foi publicado o estudo final sobre o eclipse, assinado por Dyson, Eddington e Davidson. “Os resultados das observações aqui descritas parecem confirmar a teoria da relatividade geral de Einstein”, diz o trabalho. Nele, os pesquisadores também afirmam que as imagens do telescópio irlandês de Sobral eram as mais importantes e confiáveis. Era o primeiro experimento prático a confirmar a teoria do jovem físico alemão. (Referência bibliográfica ).

Sobral contribuiu para que a humanidade descobrisse que não há nada absoluto, tudo é relativo e está em constante movimento. A matéria nada mais é do que energia concentrada. Se multiplicarmos a massa da matéria pela velocidade da luz ao quadrado obteremos a energia que nela se concentra. Essa é a realidade. Pode ser usada para o bem ou para o mal. Para se fazer a bomba atômica e para se curar doenças.

No Ceará, a mais importante teoria física e filosófica, que sacudiu o mundo após as leis da mecânica de Newton, é lembrada no Museu do Eclipse, fundado em Sobral, localizado onde a expedição inglesa observou o fenômeno. Uma nova estátua de Albert Einstein foi erigida em Sobral para comemorar os 100 anos do eclipse. Mostra o cientista imortal sentado numa pedra de um jardim à beira d’água, descontraído, de bermuda, camiseta e sandálias nordestinas, numa posição prazerosa de descanso e lazer.