Nanotecnologia: o bastão herdado na corrida científica

22 de outubro de 2019 - 10:02 # # # #

Autor: João César de Freitas Pinheiro, Ph.D. Diretor de Inovação Tecnológica

No início da década de 1950, um cientista que gostava de samba, veio morar no Rio de Janeiro, convidado para lecionar no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), localizado na Urca. Seu nome, Richard Feynman, o precursor do conceito da Nanotecnologia, descrito em palestra no dia 29 de dezembro de 1959 em um simpósio realizado nos EUA.

Veio a convite de Jayme Tiomno (1920-2011), que juntamente com outro físico teórico brasileiro de renome internacional, José Leite Lopes (1918-2006) e Cesare Mansueto Giulio Lattes, conhecido como César Lattes (1924-2005), fundou o CBPF.

Na sexta-feira, 18 de outubro, um dia antes do lançamento da Plataforma Nanotecnológica Ceará Grafeno – CEGRAF, pelo Nutec, na Feira do Conhecimento, o CBPF comemorou os seus 70 anos de fundação com uma programação de intensa discussão cientifica.

Os estudos teóricos e as pesquisas científicas da Física no Brasil não são desprezíveis. Pelo contrário, são respeitadas no mundo há décadas. A teoria da relatividade de Einstein foi comprovada por um eclipse solar observado em Sobral, no Ceará. César Lattes, junto com Cecil Frank Powell, descobriu a partícula elementar Méson Pi, objeto da concessão do Prêmio Nobel de Física de 1950.

Toda vez que acessamos a Plataforma Lattes, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), estamos prestando uma homenagem a César Lattes, um dos fundadores desta respeitável instituição que capacitou o Brasil para o domínio da energia atômica. Notáveis cientistas brasileiros são reconhecidos em nível mundial, como Oscar Sala, Mário Schenberg, Roberto Salmeron e Marcelo Damy de Souza Santos.

A capacitação brasileira em energia nuclear possibilitou que, em meados de 1966, a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN fizesse um acordo de cooperação com a Comissão de Energia Atômica – CEA, da França, para desenvolver o programa do Grupo do Tório. A finalidade era produzir plutônio, material físsil – combustível nuclear, em um reator a urânio natural – água pesada, para viabilizar uso de tório. Isto impulsionou estudos teóricos importantíssimos.

Não podemos nos esquecer do professor Francisco Magalhães Gomes, um pacifista, apelidado “Chico Bomba Atômica”, que fundou o Instituto de Pesquisas Radioativas da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e dirigiu a CNEN durante o governo de Jango Goulart. No princípio da década de 1980, ele foi convidado pelo papa João Paulo II para participar de uma comissão de revisão do processo da Igreja Católica Apostólica Romana contra Galileu Galilei, personalidade histórica fundamental da revolução científica.

Nem sempre o governo foi parceiro dos físicos. A ditadura do golpe de 1964 praticou o descalabro de expulsar César Lattes e Roberto Salmeron de projetos que eles desenvolviam na Universidade de Brasília – UNB, recém fundada por Darcy Ribeiro, um pouco antes da mesma ser invadida por tropas militares em 1968, quando eu estava por lá como estudante de geologia.

Tive o prazer e a honra de trabalhar com o engenheiro e físico José Walter Bautista Vidal (1934-2013), na montagem da Secretaria de Minas e Energia do Estado de Minas Gerais, onde fiquei responsável pela superintendência de recursos minerais. O baiano Bautista Vidal, que foi também professor do CBPF, na Urca, Rio de Janeiro, em 1959-1960, foi um dos principais responsáveis pela implantação do Pólo Petroquímico de Camaçari.

Quando adveio a crise do petróleo, no decorrer dos anos de 1970, fruto de uma disputa econômica dos EUA com os Países Árabes, foi Bautista quem concebeu o Programa Nacional do Álcool – Pró Álcool, que praticamente salvou a economia brasileira. Para isto teve apoio de generais nacionalistas que participavam do governo ditatorial da época. Ele testou o programa com um Dodge, um Fusca e um Jeep Gurgel Xavante, que percorreram 8 mil quilômetros, passando por estradas das mais variadas condições em 9 estados.

Os atuais físicos e físicas brasileiros, brasileiras e cearenses trazem a herança deixada por estes cientistas. São destemidos, determinados, enfrentam adversidades, mas seguem em frente. Os que trabalham com Nanotecnologia, como os da Universidade Federal do Ceará – UFC e os do Nutec, possuem plena consciência de que o Brasil e o Ceará deverão adentrar rapidamente na industrialização quatro-ponto-zero e cinco-ponto-zero.

As tecnologias que permitem a construção de materiais na escala de 1 nanômetro lidam com enormes desafios pela dimensão muito pequena das partículas trabalhadas. Para se perceber o que isto significa, considere uma praia com 1 mil quilômetros de extensão e 1 grão de areia nesta praia com 1 milímetro de tamanho. Este grão está para esta praia como 1 nanômetro está para 1 metro. A cabeça de um alfinete tem 1 milhão de nanômetros de diâmetro. O glóbulo vermelho do sangue possui 2,5 mil nanômetros de largura.

Um dos instrumentos utilizados para exploração de materiais nessa escala é o Microscópio Eletrônico de Varredura (MEV), existente no Departamento de Geologia da UFC, e o Microscópio de Varredura por Tunelamento (STM), do Departamento de Física da UFC, que permite a observação de átomos e moléculas no nível atômico.

Os elementos químicos da escala periódica mudam seu comportamento, seu estado físico e podem até ficar explosivos em escala nanométrica. Nessa escala é possível se desenvolver técnicas e ferramentas para se colocar cada átomo e cada molécula num lugar desejado. Ao se conseguir essa engenharia molecular, seu resultado será uma nova revolução industrial, a cinco-ponto-zero.

Atualmente, em Israel, a nanotecnologia já trata Alzheimer, Câncer de Pulmão, Parkinson, HIV, Visão, aplicada a nanoesferas, nanocápsulas e nanofármacos. Em todos os países já é empregada em têxteis, Laser, LED, Celulares, Automação, Robótica e muitos outros instrumentos da indústria quatro-ponto-zero. No dia-a-dia usamos nanotecnologia sem nos aperceber.

Os cientistas conhecem a rigidez de uma estrutura cilíndrica há muito tempo. A natureza também. O casco de um submarino e a pata de um elefante não possuem esta forma atoa. Por isso, as nanoestruturas em forma de tubos foram pesquisadas. Foram concebidos e fabricados nanotubos ou nanocilindros de carbono puro. A INTEL e a IBM estudam meios de transformar o grafeno em nanofios que poderiam substituir o silício para produção de processadores muito mais rápidos.

As aplicações mais simples da nanotecnologia talvez sejam as mais promissoras. A criação do material mais escuro do mundo, que absorve mais de 99,9% de toda a luz que recebe pode permitir um novo patamar no aproveitamento da radiação solar para geração de energia elétrica.

Outra área de desenvolvimento promissor da nanotecnologia é a geração de eletricidade em termopar (Efeito Seebeck) semicondutor. Semicondutores não são indicados para um termopar de energia elétrica através do calor na escala macroscópica. Sabe-se, contudo, que junções semicondutoras podem gerar energia elétrica através da luz recebida em células fotovoltaicas e nesse sentido estuda-se converter calor diretamente em energia elétrica com semicondutores na escala da nanotecnologia.

Obviamente, os cientistas estarão atentos para efeitos adversos. Um dos possíveis problemas é a nanopoluição que é gerada por nanomateriais ou durante a confecção destes. Este tipo de poluição, formada por nanopartícula, pode ser muito perigosa uma vez que estas partículas flutuam facilmente pelo ar, viajando por grandes distâncias.

No início deste ano, a jovem doutoranda cearense Janaína Sobreira Rocha aceitou meu convite para assumir a supervisão da Gerência de Materiais da Diretoria de Inovação Tecnológica do Nutec. Foi nomeada pelo presidente do Nutec, Francisco Magalhães, que tem nos dado apoio para fortalecer a recém-lançada Plataforma Nanotecnológica Ceará Grafeno. Janaína se incumbiu de checar uma rota tecnológica perseguida por cientistas do Instituto de Física e Química da Polônia.

Dias atrás, Janaína me telefonou de um laboratório da UFC, no meio da noite, exausta e com fome, porque o procedimento químico que ela estava realizando levou mais de doze horas sem poder ser interrompido. Mesmo assim, estava eufórica, dizendo “eu consegui, eu consegui”.

Ela partiu de grafite, um pó de grafite, esse que existe nas pontas de lápis, feito do mineral grafita, para obter alguns miligramas de grafeno que, como o fulereno é um alótropo de carbono, importante para a fabricação de nanotubos.

Assim caminham os excelentes cientistas cearenses, levando o bastão dos antigos físicos. A união UFC-Nutec na Plataforma Nanotecnológica Ceará Grafeno atraiu cientistas importantes como Antônio Gomes de Sousa Filho, Odair Pastor Ferreira, Amauri Jardim de Paula, Pierre Basílio de Almeida Fechine, Ari Clecius Alves de Lima, Santino Louran Silvestre de Melo, Audeles de Oliveira Marcelo Júnior, Rafael Melo Freire, Francisco Belmiro Romero, Daniel de Castro Girão, Davi Valente Santos, Fernando Bacelar Paiva, Iêda Nadja Montenegro, Alexandre Araújo Bertini, Ênio Pontes de Deus, dentre outros.

Agora que o Nutec, recém-transformado em autarquia pelo Secretário Inácio Arruda e pelo Governador Camilo Santana, encampou uma plataforma nanotecnológica, na qual acredito que estaremos agasalhados calorosamente para avançarmos, caminhando no clima gelado que está encobrindo a pesquisa cientifica brasileira em busca de recursos.